RIO - Respeitado por seus pares, reverenciado por seus alunos, adorado pelos pacientes. Ivo Pitanguy não era apenas um médico talentoso; era grife. Por seu centro cirúrgico passaram não só as mais belas mulheres do mundo tentando vencer a corrida contra o tempo, como especialistas em busca de aperfeiçoamento, ou talvez, da receita de tanto sucesso. Referência em uma especialidade aparentemente superficial, o médico não se interessava apenas pela estética. Ao contrário. Por ter começado a vida profissional observando reconstruções de face, Pitanguy tinha enorme interesse em ajudar as pessoas a viver. O cirurgião morreu na tarde deste sábado, aos 90 anos, como divulgou com exclusividade o blog do Ancelmo
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Ivo Hélcio Jardim de Campos Pitanguy nasceu em Belo Horizonte em 5 de julho de 1926. Um dos cinco filhos do cirurgião-geral Antônio de Campo Pitanguy e de Maria Stäel Jardim de Campos Pitanguy, resolveu seguir a carreira do pai e cursou Medicina na Universidade Federal de Minas Gerais até o quarto ano, quando transferiu-se para a Faculdade de Medicina do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, para servir, paralelamente, à Cavalaria dos Dragões da Independência.
Pitanguy se formou em 1946, após mais de dez anos na universidade, por causa de estágios e cursos realizados nos EUA e na Europa, já aliando a prática médica ao exercício do ensino. Primeiro, ele prestou concurso para o Institute of International Education e foi contemplado com uma bolsa de estudos como cirurgião residente do professor John Longacre, no Bethesda Hospital em Ohio, EUA. Na mesma época, frequentou a Mayo Clinic, em Minnesota, e o serviço de cirurgia plástica do médico John Marquis Converse, em Nova York. De volta ao Brasil, em 1949, ele chefiou a 19ª enfermaria do Serviço de Cirurgia da Santa Casa da Misericórdia do Rio — o primeiro de cirurgia de mão em toda a América do Sul.
Um ano mais tarde, foi convidado por Marc Iselin, referência no atendimento aos mutilados da Segunda Guerra Mundial, a acompanhar seu serviço em Paris. No período em que trabalhou na Europa, Pitanguy conheceu grandes cirurgiões plásticos e, na volta ao Brasil, trabalhou para tornar a cirurgia plástica uma especialidade conhecida e respeitada. Foi chefe do Serviço de Queimaduras e de Cirurgia Reparadora do Hospital Souza Aguiar de 1952 a 1955. Em 1954, passou a chefiar o Serviço de Cirurgia Plástica e Reparadora da Santa Casa.
Em 1961, com a colaboração de médicos residentes, tratou as vítimas do incêndio do Gran Circo Norte-Americano em Niterói — um marco em sua carreira, ocorrido dois anos antes da inauguração de sua clínica na Rua Dona Mariana, em Botafogo. Pitanguy ouviu a notícia pelo rádio, seguiu para o Iate Clube do Rio, e em sua lancha atravessou a Baía da Guanabara para chegar a Niterói, onde se deparou com uma tragédia sem precedentes.
— Cheguei com uma equipe em pleno momento de comoção. Havia muita gente querendo ajudar, mas também uma enorme desorganização. Lembro de um caso muito heroico de um menino que tinha se salvado e voltou para buscar o amigo. O que era mais dramático é que eram muitas crianças, e ao lado delas, seus amigos, de modo que devia haver ali pelo menos 500 delas — contou ele, anos depois.
Professor de mais de 500 médicos
No mundo, o brasileiro é uma referência em cirurgia plástica, detentor de diversos prêmios e títulos, autor de mais de 900 trabalhos científicos em revistas brasileiras e internacionais,além de uma série de livros — ele é membro da Academia Nacional de Medicina desde 1973, onde ocupava a cadeira 67, e foi eleito em 1990 para a Academia Brasileira de Letras, ficando com a cadeira 22. Como professor titular do Departamento de Cirurgia Plástica da PUC-Rio e do Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas, Pitanguy implantou o curso de pós-graduação em Cirurgia Plástica na Santa Casa, que já formou mais de 500 profissionais do Brasil e de 40 países.
— Como ser humano, independentemente de ser médico, eu sempre fui muito encantado com a beleza; na arte, na natureza, nos livros. Sempre fui também muito ligado à criatividade. E a medicina me dá essa interação com outros seres humanos, essa capacidade de apreciar o outro, ouvi-lo, entendê-lo, sempre ajudar. Mas a minha profissão tem uma limitação que o escritor e o pintor não têm: eu lido com o ser humano, que tem a limitação da anatomia — definiu o cirurgião plástico em entrevista ao GLOBO, em 2011, para explicar seu fascínio pela beleza.
Por seu consultório passaram musas do cinema internacional, chefes de estado, celebridades nacionais, homens e mulheres que, declarando ou não terem feito cirurgia, jamais tiveram tal fato confirmado por Pitanguy. Ele mesmo, aliás, nunca corrigiu nada no rosto.
Elegante, o médico se apresentava de terno. Nos últimos anos, chegava à clínica à tarde todos os dias e reservava a manhã para ficar em casa, no Alto da Gávea, ler e almoçar com tranquilidade. Dormir, só cinco horas por noite. O médico acordava cedo, lia os jornais, caminhava, exercitava-se bastante.
De vez em quando essa rotina era quebrada, como no carnaval de 1999, quando foi enredo da escola de samba Caprichosos de Pilares. Ele desfilou eufórico em carro alegórico, cantou o samba que rimava Pitanguy com bisturi e garantiu à escola o nono lugar naquele ano.
O cirurgião plástico costumava dizer que a vida lhe ensinava a cada dia, “e o triste de morrer é parar de sentir esta vontade de sempre conhecer um pouco mais”. Pitanguy morreu na tarde de ontem, aos 90 anos, de parada cardíaca, em casa, um dia depois de carregar a tocha olímpica. Abatido, ele conduziu o símbolo numa cadeira de rodas. O velório será hoje, a partir das 13h, no Memorial do Carmo. Pitanguy deixa a mulher, Marilu, com quem era casado há mais de 50 anos, os filhos Ivo, Gisela, Helcius e Bernardo e cinco netos.